quinta-feira, 30 de julho de 2015

terça-feira, 7 de abril de 2015

quinta-feira, 1 de maio de 2014

De outras forças....



Que não venham de camisas....




De um corpo inquieto






Conheci Miro sentado, meio corcunda com as mãos espremidas entre as coxas.
Pouco depois se espremeram entre as axilas, só com os polegares de fora.
Olhava para o chão.
Parecia tão pequeno em torno de si mesmo.
Até que a roda silenciou e ele falou, falou, falou.
Não lembro o quê. Só escutei um corpo espremido.

Descobri que tinha mãos desobedientes, pernas fracas e a cabeça contida.
Tremia muito.
Olhar pra cima, nem pensar!


 ***

Acompanhei Miro por alguns meses.
Saíamos a caminhar pelas ruas de Novo Hamburgo e conversávamos em bancos
de praça ou muretas de terrenos baldios. Também com alongamentos e bergamotas.


Miro foi viajante, andou sozinho por muitos lugares e agora me fala sobre a
prisão que sente em seu corpo. Da fraqueza, dos desmaios súbitos e da perda de
memória. Do perigo em andar só.

- Como posso viajar assim? Ele pergunta.
- Não sei, mas podemos tentar descobrir. Podemos começar ensaiando viagens com o
pensamento. Podes me contar mais sobre a Argentina? – Respondo.

Nas nossas pequenas viagens Miro nunca teve crises.
E ele me ensinou sobre pássaros.


 ***


Muitos são os corpos inquietos.
Agoniados, transbordantes.
Com ou sem palavras.

Expressivos, com força.
Contidos, babantes.

Vivendo?!





Vontade de goiaba

Vontade de goiaba

Como apreciar?
Tenho uma boa relação com os alimentos. De garfo e faca.
Mãos lambuzadas me afligem.

Faz tempo que não vejo uma goiaba, mas lembro bem do cheiro.

Daqui recordo uma cena marcante de uma oficina de futebol.
Acho que não durou um minuto.

Em direção ao ginásio, pela calçada, alguns andavam mais rápido e outros devagar.
Num ritmo de todos: de respeitar, esperar e também fazer andar.
Até que Leo avistou uma goiabeira pelo caminho e, dela, todos se serviram das frutas
bem maduras.
E eu andava um pouco à frente quando percebi o som da pausa. Olhei para trás.

Por alguns instantes só enxerguei Cláudio, entre todos, apreciando uma pequena goiaba.

Ele tinha fome de sabor, vontade de goiaba e destreza de menino.

Simples, singular.
Bonito de ver.

Acho que era a melhor goiaba do mundo.





O desenho dos rostos




Aqui são apenas traçados de rostos. 
Linhas líquidas, inventadas pelo gesto. 

Retratos? 
eu não diria. 

Copiar rosto já não faz mais sentido. 
Prefiro tentar descobrir o som deles. 
Descubro gargalhadas em linhas e sensações. 
Em dentes ou covinhas. 

Ouço também pupilas dilatadas. 
E lágrimas percorrendo os sulcos da face. 

Vejo gargantas urrando em sufoco. 
Observo suspiros de fúrcula. 
Vejo a carne em expressão. 

Em preto e branco, não mais ou menos. 
Na contradição. 

Em altos e baixos ou degradês necessários. 
Sem pose, com colarinhos engomados ou sorrisos embaraçados. 

Não importa. 
Não são retratos. 

Walter Pater em História da Beleza

A cada momento uma perfeição de forma surge numa mão 
ou rosto; alguma tonalidade nas colinas ou no mar é mais 
preciosa que as demais; algum estado de paixão ou de 
visão ou de excitação intelectual é irresistivelmente real e 
atraente para nós – por aquele momento apenas. Não o 
fruto da experiência, mas a própria experiência, é o fim. 
(...) Arder sempre nessa sólida chama pétrea, manter o 
êxtase, é o sucesso da vida.(...) Enquanto tudo se 
desmancha sob nossos pés, bem podemos tentar aferrar 
alguma paixão rara, alguma contribuição ao 
conhecimento que com o clarear de um horizonte pareça 
deixar o espírito em liberdade por um momento, ou 
alguma excitação dos sentidos, estranhas tintas, estranhas 
cores e cheiros curiosos, ou obra de mão de artista ou o 
rosto de pessoa amiga. 
                                   (Walter Pater, História da beleza)

TÁ TUDO CERTO




O colonialismo visível te mutila sem disfarce: te proíbe de dizer, te proíbe de 
fazer, te proíbe de ser. O colonialismo invisível, por sua vez, te convence de 
que a servidão é um destino, e a impotência, a tua natureza: te convence de 
que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser.” 
 (Galeano, 2005, p.157)

















Das cólicas


Espaço aberto 
Cortado, trançado, pintado ,enrolado, manchado, colado.
Exposto.


É tudo de mentira, só ilusão de uma dor visível...
Porque se não sangra, não dói. 
E se a loucura grita, é pití.
Dor deve ter cor, cheiro e textura de sangue.
Essa minha dor-arte é forjada, de cinema de horror.
Dor não é o nó das tripas dos emotivo-enjoados, dor é de quem expurga comida estragada e não de quem vomita sofrimento.
A dor vem do alimento mal lavado e não da palavra oprimida.

Repito, é tudo mentira.
Acho que dor pode ter cor de gris, cheiro de falta de ar e textura de quem sente.
Acho que a dor invisível grita por espaço. 
Loucura seria não gritar no ouvido de quem só percebe o sofrimento do corpo visível.
E a velha dor da guilhotina persiste, cabeças rolam em direção aos especialistas, enquanto tripas são tratadas com buscopan.









Um pouco de cor